segunda-feira, abril 17, 2006

A Biblioteca de Córdova


«Nada na terra lhe era comparável, nem mesmo a ptolomaica de Alexandria, destruída pelo fogo. Não poderias imaginar um santuário mais faustoso, da dimensão de uma cidade, agrupando dezenas de edifícios separados por jardins de laranjeiras e ciprestes e um dédalo de deambulatórios entrecortados por fontes e locais de sombra, tão propícios à meditação. Ali parava todo o barulho e toda a fúria do mundo. Ali sobrevivia toda a poesia e toda a ciência dos lugares habitados. Estimava-se em mais de quatrocentos mil os livros arrumados em arcas de madeira e de couro. Toda uma população de copistas, caligrafos, iluminadores, tradutores, estudantes, leitores, trabalhavam em silêncio, cada um na sua tarefa, nos seus sonhos, nos seus recolhimentos. Naquele tempo corria um ditado: se tens uma jóia para vender vai a Bagdad; se tens uma Lâmina de espada vai a Sevilha: mas se te queres desfazer de um livro vai a Córdova. Durante os últimos três séculos a nossa cidade vinha reunindo, com enorme esforço e sem olhar a despesas, os manuscritos mais úteis e mais raros, assegurando a sua conservação com especiais cuidados. Ali havia papiros egípcios, rolos aramaicos, textos sânscritos, hebraicos, gregos, latinos, persas, sírios, magrebinos, andalzes, originais, transcrições e traduções árabes, que dormitavam à espera de voltarem à vida, ao primeiro sinal de chamada de um curioso ou de um erudito. Conta-se que o califa al-Haquem dispunha de um exército de emissários em redor do grande mar interior para procurar e comprar obras para a biblioteca, que ele tinha fundado com o dinheiro legado por uma das suas comcubinas, e que alguns livros tinham custado cem mil piastras».

In: LE PORRIER, Herbert – O médico de Córdova. Lisboa: Bizâncio, 1998.